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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

      

ANTONIO MIRANDA

POETA
"



 

 

por ANDERSON BRAGA HORTA 

          O maranhense Antonio Lisboa Carvalho de Miranda,  antes de se
fixar em Brasília
, correu mundo, tendo vivido em Buenos Aires, Caracas,
Bogotá e Londres. E a verdade é que, entre nós há já muitos anos, con-
tinua a correr
,  numa atividade cultural intensíssima,  se bem que, para
gáudio e proveito nosso
, agora mantendo suas bases nesta cidade.
Formado em  Bibliotecologia pela  Univ
ersidad Central de Vene-
zuela
,  mestre  em  Biblioteconomia  pela  Loughborough University  of
Technology
,    da Inglaterra,  doutor em  Ciência da Comunicação  pela
Universidade de São Paulo, é professor e coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação
, na Universidade de Brasília.
Homem dinâmico
,  tem hoje sobre os ombros ainda outra tarefa,  a de
primeiro diretor  da  Biblioteca Nacional de Brasília
,  com a  gigantesca
respon
sabilidade de pô-la em condições de operar, e, afinal, de colocá-
la em efetivo funcionamento. Sinal de que se sairá bem do enorme de-
safio vem  de um  gesto inicial:  antes  mesmo de obtido  o mínimo de
condições  operacionai
s  exigível, Miranda  pôs a   Biblioteca  a prestar
serviços culturais à Cidade
,  instituindo um programa de  palestras/lei-
tura
s literárias cujo sucesso vem dando novo impulso  à sua vida inte-
lectual.
Não cessam aí  os méritos de  Antonio Miranda, que por essas ativi-
dades já se revelam  notáveis.  Pois a elas adicionam-se as de criador
em diversos gêneros  e ramos da arte:  como poeta
, romancista, con-
tista, dramaturgo e escultor
, nada menos!

Desse  leque  fabuloso  nascem obras  belíssimas  a  reclamarem
atenção,  a distribuírem  seus frutos
.   Não seria possível a uma única
pessoa, numa única apresentação, analisar essa múltipla personalida-
de,  nem mesmo percorrer cabalmente  uma sequer de suas linhas de
manifestação.   Dividimo-nos
, pois,  para tentar passar  um vislumbre
de seus  aspectos principais.   Cabe-me hoje
, tão-só,  passear com os
amigos por um dos veios de sua criatividade, mas um dos mais fecun-
dos e comoventes: o veio da poesia.

O poeta estreou na Venezuela, em Caracas, no ano de 1967, com
Versos Itinerantes. Amazônia
,  seguido de  Cuerpo que los Días.  Em 1969,
na  mesma cidade, lança  De Creencias y Vivencias,  poema-livro  que se
editaria  em português
,  em Brasília,  dez anos mais tarde.   Mais dois
anos e estoura com o grande êxito de  Tu País Está Feli
z,  de que volta-
remos a falar.
Adiante-se apenas que edição bilíngüe sairia na capital brasileira
ao fim de dois  decênios
,  havendo diversas edições em castelhano -e
em português. De 1973 é Cal
zoncillos con Nubes  si Prefieren SOS Colom-

               bia, saído em Bogotá.   1999 marca  o início de um a série de edições
pela brasiliense Thesaurus
,  com Brasil, Brasis, poema em sete cantos,
comemorativo  dos  500 anos do  Descobrimento
,  objeto de  tese de

             doutorado da escritora chilena Elga Pérez-Laborde (Departamento de
Teoria Literária da UnB
, 2004). Seguem-se  Canto Brasília, de 2002, e
Perversos
, de 2003, este com tradução castelhana de Elga.   Em 2004
surgem nada menos que três obras: São Fernando Beira-Mar
, número
1  da série  Cantigas de Escárnio e Maldizer
,  da  Thesaurus,   já com
quatro edições (transposto
para o castelhano por Sofia Vivo); 25 Poe-
mas
, antologia, pela  Editora da Universidade  para o Desenvolvimen-
t
o do Estado  e da  Região do Pantanal   (Campo Grande, Mato Gros-

             so do Sul), mais   Retratos & Poesia Reunida,  pela Thesaurus.  Em se-
g
uida,  m   Despertar das Águas  (2006)  e   Eu, Konstantino Kavafis de
A
lexandria   (2007),  estando já  " na  agulhaa antologia    Poesia no
              Porta-Retrato (seleção e estudo de Elga Pérez- La borde).

Bem se vê que é uma respeitável bibliografia ptica.  Se tivés-
se
mos de nos deter em cada um desses livros, só a poesia mirandi-
n
a bastaria para  inundar  a sessão desta noite.   Assim, tivemos de

              nos impor severas limitações de tempo.

Para tentar,  não obstante essas  limitações, dar uma visão pa-
nor
âmica dessa poesia  quero comar pela peça   Tu País EsFeliz,
estreada em Caracas,  como vimos,  em 1971.  Mas isso o é tea-
tr
o?  hão de me perguntar.   Sim,  é teatro,  mas o espetáculo é
co
nstruído  sobre poemas do autor.   Foi um sucesso maiúsculo,  a
ponto  de  transformar  Miranda em  personalidade  importante  no
mundo  cultural  venezuelano,  antes   de sequer ser  conhecido no
Brasil.   Os poemas são filosóficos, d e  auto-indagação, líricos, so-
c
iais.  Entendo que o sentido geral  desse complexo poema drama-
t
ico é de tom político. Mas prefiro exemplificá-lo com os termos
desta canção — "A Quem Possa Interessar":

A quem possa interessar!

Antonio, nordestino, estudante universitário,
morando na Asa Norte, Av L 2, Q 406,
apto. 15, lança um grito de socorro.

           Necessita de companhia, de proteção, de carinho.       ._

 

 

Canto Brasília também atende à opção por "projetos de livros". Homenageia o centenário de nascimento de Juscelino Kubitschek e de Lúcio Costa. Mas tem também poemas em homenagem   a Nie-

meyer, Burle Marx,  Gilberto Freire, Volpi  uma c omposição  à ma-neira concretista), Varnhagen, os candangos. A transcrição que dele faço é uma sorte de resumo diacrônico da idéia Brasília:

 

Uma Nova Capital como
semente, traço de união,
como sonho colonial
como ideal inconfidente
c
omo bandeira e pregação
desenvolvimentista.

Tiradentes, J K.

Utopia. Vertigens antecipatórias,
emblemáticas miragens.

Integração nacional.

O ano de 2004, repetimos, foi rico para o poeta. Têm essa data 25 Poemas,  São Fernando Beira-Mar,  Retratos & Poesia Reunida. Os te-mas sociais marcam presença já no título  o Fernando Beira-Mar  e
na  composição inicial de  25 Poemas,  "Poesia Enferma"  ("passando fome /  nem a  poesia sobre a  fome interessa!"),   mas também há
lu
gar para o metafísico, o metapoético,  o lúdico. O humor.  Desses
25
tomo

"Brasília":

Brasília é branca e luminosa,
de mármores e vidraças
refletindo nuvens metafísicas

 

Blocos e quadras

e avenidas enfileiradas,
v
iadutos, memoriais,
ge
ometrias e concretudes
transcendentais.

Onde o sol se põe

teatral

entre as torres do Congresso Nacional.

Numa escala de cenógrafo
neoconcretista
, construtivista,

             lançando manifesto   '

pela integração das artes:

pela dança das esquadrias,

                 poesia das colunas avarandadas,   '

pilotis sobranceiros

sustentando o firmamento do Cruzeiro do Sul.

Jardins petrificados,

monumentos vegetais.

Pirâmides, tumbas faraônicas

cabalísticas

erguidas

sobre rochas imantadas

a salvo dos dilúvios,
anunciando o Terceiro Milênio.

Como evitar o misticismo?

Yokaanan refugiou-se na eclética cidade,
Tia Neiva fecundou o vale

 

 

no sincretismo das crenças
dos humildes

enobrecidos, capas e véus, vestais
em castas devocionárias.

Vivemos entre nordestinos
gaúchos, cariocas
, paulistas

        e extraterrestres.

No terceiro livro de 2004 os retratados são poetas, pensa-
dores, divas do cinema nacional, um rio (o Mearim da
infância), cidades ... Sem faltar um "Auto-Retrato", do qual
copio umas pinceladas sugestivas:

Às vezes sou um, às vezes sou outro ....

Fui, ao mesmo tempo, eu e o outro

um para dentro, outro para os outros.     .

Vou na contramão da ordem estabelecida            .

        Sobre Despertar das Águas  escrevi alhures:   "Despertar das
das Águas
(Thesaurus, Brasília, 2006)  é um marco  na produção poética de Antonio Miranda. A forma é livre,  a linguagem  nada
tem de ameno,  ao contrário, é às vezes decididamente amarga,
na expressão do autor.   São versos de memória e autoperquiri-
ção
, desde o apego do nascituro à paz amorosa do útero mater-
no até a revolta contra a mão destruidora do homem." (O poeta mesmo diz a propósito:  "é mais autobiográfico do que meus tí-tulos anteriores".)  Concluía eu:  "O poema que estende o título
ao conjunto é  fortemente confessional, c om metafóricas águas decompostas, represadas,
/ como instintos domados'. 'Meu Pai', 'Minha Mãe', `Cemitério Familiar', 'Confissão', 'Um  Desmemori-
al
', 'Diário sem Autoria', 'Rio de Janeiro Madrugada 1957', 'Ave-
nida Corrientes
' (em que o pessoal e o social confluem), 'Eu me Detesto' (em que, como em nenhum outro texto que eu conhe-
ça
,  a internet  emerge  como o ar,  o meio ambiente do poeta)
são composições que deixam  marca no leitor.   E acrescentam
ao poeta uma dimensão nova.
"
        Mantenho o dito.   Apenas frisaria  (talvez desnecessária-
mente) que memória e confissão vêm imbricadas
, e ressalvaria
que não se reduz a essas linhas a riqueza do livro
.   Leio o últi-
mo t
erço de "Um Desmemorial":

 

Na memória convivem

               pessoas que tanto amei 'J

numa promíscua proximidade,
independentes de mim,

apaixonando-se, fundindo-se,
abandonando-me de vez.

Lembranças de desejos

irrealizados, tão sonhados,

tristes, amores idealizados,

que nunca aconteceram

ou que deixaram de ser,

mares nunca dantes navegados.

Eu em vários momentos

com feições tão diferentes,
desconcertantes,

olhando-se pelos prismas dos espelhos,
estranhando-se, acusando-se

numa reflexão permanente.

 

Os espelhos irrefletidos

nada sabem da existência

de suas imagens jamais;

ouvem-se os estilhaços de vidros
e faz-se escuro

e durmo para sempre.

 

Destaque-se a bela invenção desses "espelhos irrefletidos".

Para encerrar esta visada brevíssima da poesia de Antonio Miranda, fiquemos com o livro em homenagem  ao grande poe-
ta grego,  no qual se  inspira,  sem todavia jamais  imitar-lhe  o
estilo
salienta o nosso autor.  Leio, pois, concluindo,   o frag-
mento final de Eu
, Konstantinos Kaváfis de Alexandria:

 

Os bárbaros já chegaram

e se instalaram em nossas praças,
assumiram nossos governos

e invadiram nossas consciências,
asfixiaram a liberdade

e cobram uma lealdade impossível.

Entranharam-se em nosso medo,
impuseram-se em nossa impotência

e agora devoram nossas vísceras, sem resistência,
mas as palavras sobreviverão

e haverão de redimir-nos, salvar-nos;
rebrotarão em significados imprevistos

       •      nem se sabe de onde vêm,

que significados impõem,

mas que vamos recriar e re-significar.

Levo séculos corroendo os alicerces
deste mármore impostor

e meu orgulho sobreviverá.

 

 

 

              Texto extraído do livro:

 

 

HORTA, Anderson Braga.  Do que é feito o poeta.   Brasília: Thesaurus, 2016. 412 p.  ISBN 978-85-4090287-9.    

 

 

 

Foto da cerimônia de homenagem ao poeta Antonio Miranda

no UNICEUB, Brasília, pelo Sindicato dos Escritores do Distrito Federal, dia 9 nov. 2007, com a leitura do texto acima...

 

 

 

                                                    


 

 

 
 
 
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